quarta-feira, 30 de março de 2016
REUNIÃO URGENTE
Nunca havia presenciado uma cena parecida. Até hoje não sei se foi um desejo, um sonho ou uma rara experiência de EQM (experiência de quase morte). Mas estava ali, na minha frente, aquela mesa gigante repleta de personagens notáveis, alguns nem tanto, sentados, lado a lado, com semblantes sérios e preocupados. Reunião urgente. Em pauta: o Brasil!
De um lado da mesa eu podia ver os vultos de Niemeyer, Cazuza, Carlos Drummond, Ayrton Senna, Renato Russo, Paulo Francis, Don Helder, Médici e o último a chegar, Carlos Alberto Torres. Do outro lado, Hebe Camargo, Chico Anísio, Volpi, Adib Jatene, Ulisses Guimarães, Ronald Golias, Araci de Almeida e um grupo enorme de motoboys recém chegados. O primeiro problema apontado foi a violência. Muitas soluções apareceram...
A colocação de milhares de anjos da guarda de plantão nas esquinas dos grandes centros foi sugerida. Mas o contingente seria imenso e o problema não era só urbano, disse Niemeyer, com uma vozinha tão baixa que não dava quase pra se ouvir. Jatene com seu jaleco branco, lá na ponta, disse que a saúde estava pior que a violência. Ulisses citou que mais grave era a corrupção. E Drummond concordou com os dois, dizendo que, com certeza, mais de uma pedra havia no caminho.
Cazuza então levantou e acusou a burguesia e suas piscinas cheias de ratos. Renato Russo colocou a culpa em Brasília e nos cavalos marinhos. E num canto isolado, Don Helder rezava pra que tudo acabasse bem.
A reunião começou a ficar chata mesmo quando Paulo Francis levou quarenta minutos para descrever o panorama político brasileiro. Foi quando Ayrton Senna pediu mais rapidez, enquanto Volpi rabiscava bandeirinhas e Hebe ria das piadas de Golias.
Até Pedro Alvares Cabral, que não havia sido convidado, sentiu-se no direito de participar e sugeriu que os portugueses é que deveriam “de voltar cá nestas terras” e resolver as questões, pois o que se vê hoje são problemas de criação.
Foi vaiado e retirado a tapas por Médici. Alguns minutos depois da briga, chegou Tim Maia que deveria ser o presidente da reunião, mas a pedido do "Capita" foi substituído da posição, por conta de mais um atraso.
A reunião rolava tensa. Nada se resolvia. Grupos se desentendiam. Os da direita faziam barulho e não davam soluções. Os da esquerda acusavam os da direita que atiravam papeizinhos, muito embora ninguém soubesse mais quem era esquerda e quem era direita. Os da ponta, menos conhecidos e os motoboys apenas tiravam selfies.
Quando a discussão atingiu seu grau máximo e os militares já tentavam tomar conta da situação, Araci de Almeida mostrou a que veio, batendo na mesa e pondo ordem na casa, gritou com a voz da boa malandragem: -Dá pra gente ter mais educação?
Todos levantaram e aplaudiram, concordando finalmente com a solução do país.
Será que dá?
quarta-feira, 9 de março de 2016
JOÃO DO BARRO, O ESPIRITO SANTO, AMÉM...
Meu irmão já havia me contado sobre a beleza rústica e singela das praias de Meaipe e das águas geladas de Guarapari. Fora isso, só mesmo a certeza de que Cachoeiro do Itapemirim era a cidade onde tinha nascido Roberto Carlos. Mas, visitar e conhecer o Espírito Santo foi bem mais que isso.
Mais do que as praias de castanheiras e da moqueca com bananas
emborcadas em molho de tomate e sem dendê, como eles insistem em ressaltar. O ponto alto da viagem às terras capixabas foi, sem dúvida,, o
encontro com o inesquecível homem que fazia peças e panelas de barro.
São vários os vendedores que ficam na beira da estrada. Mas
decidimos parar no “João do Barro”. Nome sugestivo. Descemos...
Logo surgiu aquele homem rústico de chinelos de dedo e roupa encardida,
da cor do barro. Sorriu de maneira simpática e nos mostrou suas
panelas, ressaltando que aquelas eram “as legítimas” e não as panelas das
rendeiras, que racham com facilidade, afinal, tinham sidos os nordestinos como
ele que haviam trazido a técnica para o local.
Diante do nosso interesse e da descoberta que um de nós era
jornalista, o homem propôs que acompanhássemos a destruição de um dos fornos que
já estava pronto para ser aberto, para ver como queimavam as panelas.
Curiosos e fascinados, fomos adentrando o fundo da fábrica
artesanal e o cheiro forte de fumaça e carvão, invadindo nossas narinas, roupas
e cabelos.
O calor era absurdo. O homem, com uma escada comum e pequena,
subiu no forno altamente aquecido, retirando a tampa da fornalha com uma
marretada. Depois, com outra martelada derrubou a parede lateral, onde já se podiam
ver as panelas pretinhas e amontoadas, soltando fumaça e calor. Era tudo muito
simples para ele. E, a cada pancada no forno, as fagulhas se soltavam, passando
muito próximas aos seus pés, naqueles chinelos de dedo sem proteção. Mas o João
continuava falante, explicando o procedimento com orgulho, maestria e com sua macheza
nordestina diante de nossos olhos estarrecidos.
Depois da exibição bruta e inacreditável de abrir fornos, o
homem nos levou para outro canto da rústica fábrica artesanal. - "Agora
vou mostrar como faço para modelar as peças de barro..."
Foi aí, que de repente, aquele ser rude, mal vestido e
cheirando a fumaça, sentou se diante de
um prato giratório e começou a delinear suavemente em um bloco informe de
barro, com suas mãos grossas e carcomidas, mas com a leveza de uma pluma e a
delicadeza da Demi Moore no filme Ghost. Deu vida, ali, em segundos, a um lindo pote com alças, com direito a um risco com a unha do dedo mínimo, finalizando a
parte que faltava, na tampinha do pote.
Assim ficou gravada a cena na minha memória. O rústico e delicado. Unidos e ungidos. No homem que fazia potes, e o seu Espírito Santo, amém!
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