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quarta-feira, 29 de junho de 2016

A PINTA DA MARIA


Maria tinha uma pinta. Uma pinta considerável. Grande. Bem ao lado do nariz. Impossível de não ser notada. Tinha até nome: Nina! Foi assim que quando criança, seu pai, brincalhão, lhe apelidou a fim de criar uma relação afetuosa da filha com a marca de nascença.

Não adiantou. Maria não gostava da pinta e do fato de que a pinta a ofuscava. A Nina, ou melhor, a pinta, era maior do que ela. Maior que seu rosto. Maior que tudo. Era a Maria da Pinta! Qual Maria? Aquela da pinta.

E Maria foi crescendo junto com a pinta. Trabalhou, casou, e então, desenvolveu verdadeiro ódio à pinta. Afinal, era ela a razão de todos os seus problemas. Perdeu o emprego. Foi a pinta! Seu filho caiu nas drogas. Tinha vergonha da pinta da mãe! Sua filha fugiu de casa. Queria se ver longe da pinta! Seu marido, depois de anos de convivência e maus tratos, amantes e falta de dinheiro, enfim a deixou... foi a pinta que ele não mais aguentou ver diante de seus olhos!

Foi assim por muitos anos. Maria e sua pinta na cara. A pinta que a escondia. Que a justificava. Às vezes, passava um pó para amenizar, mas continuava lá, escondida, a sua Nina.

Depois de muitos e muitos anos de sofrimento e uma melhor condição financeira, Maria, num impulso, resolveu tirar a pinta. Cirurgia marcada. Pinta retirada. Simples assim! A filha voltou. O filho ficou bom. O marido se arrependeu. Não! 

Nada disso aconteceu. E o pior, a cara da Maria apareceu. Nariz adunco. Olhos tristes e marcados. Boca amarga e um bigode chinês. Pobre e vulnerável Maria. Sem a antiga pinta da Maria.

Agora, todos os dias, antes de sair de casa, Maria pinta uma pinta de mentira. No mesmo lugar...
E voltou, graças aos céus, a se queixar!
                       


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quarta-feira, 8 de junho de 2016

A MESMA DANÇA

   
Eles dançaram a noite toda... All night long! Eles dançaram anos sessenta. Chucky Berry, Elvis, Beatles. Eles dançaram anos setenta. Bee Gees, Abba, Donna Summer. Eles dançaram anos oitenta. Noel, Rick Astley, The Cure... 

E quando a música parou, eles continuaram dançando. Pelo menos na minha cabeça, eles nunca param de dançar. Na verdade, acho que eles dançam há séculos. Dançam desde outras vidas. Quem sabe, um elegante casal de nobres valsando nos grandes bailes em castelos medievais. Ou não. Parecem mais camponeses que dançavam alegres em festas de família, regadas a vinho e conversas ao luar.

São almas leves que balançam suaves, como se os problemas da vida fossem resolvidos ali, numa valsa bem executada. Como se as dores do cotidiano fossem incontáveis bolinhas de gude, num bolso abarrotado e o movimento do corpo, ritmado, fosse colocando tudo no lugar, harmoniosamente. 

A dança é viva. Faz a alma flutuar. E não há quem não se encante em ver o casal dançar. E não há quem não aprenda que a vida precisa de uma pausa: uma pausa para dançar. Mesmo que não se dance tão bem quanto eles. Mesmo que os pés estejam endurecidos. Mesmo que se dance só.

É preciso dançar sem medo e com esperança. Sabendo que a vida é mais que perfeita  quando se encontra alguém que sabe dançar... a mesma dança!

 

                                                   Dedicado ao casal Norma e Ademar

 
 
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