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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

UM LUGAR CHAMADO BICHINHO

                                                                                     
É lá que os artesãos se reproduzem. Aos montes. Feito bichinhos! São, na maioria, locais que aprenderam a profissão e um jeito de sobreviver com arte. Entocados em seus ateliês e oficinas instaladas em casinhas antigas. Muitas, feitas de adobe, um tipo de tijolo natural que mistura palha e barro. É lá que o ferro de Minas se transforma em flores artesanais e a madeira de demolição vira quadros de arte e móveis geniais nas mãos dos criativos artesãos. 

Foi assim, com a ajuda destes artistas, que Bichinho se reergueu depois da febre do ouro e da sua derrocada. Definitiva. Mas a história daqueles tempos cruéis insiste em continuar viva...  

Bichinho é homenagem a Vitoriano Veloso. Escravo alforriado. Alfaiate morto cruelmente durante a inconfidência mineira. Parece mesmo que seu espírito continua por lá e vagueia nas tardes lentas, no local da emboscada... 

A história vai cruzando toda a cidade, adentrando as igrejinhas barrocas e seguindo pela Estrada Real. Caminho de terra e de pedras. Tudo muito natural. Com direito a vista panorâmica que nos dá a dimensão do tamanho e da beleza das paisagens mineiras, entre Prados e Tiradentes. É lá entre as duas que está Bichinho. Pequenina. E grande, na riqueza da arte! Mas visitar Bichinho, como demora... 
É impossível comprar algum artesanato sem gastar meia hora de prosa com quem por ali estiver. E se tiver uma cachaça... Aí é desgraça.
Na primeira parada, olhamos alguns objetos em decapê e lá se foram quarenta minutos falando sobre o ninho de pardal que apareceu no ateliê. Com direito ao vôo dos filhotinhos por cima de nossas cabeças. Em outra oficina, mais prosa com o artesão que contou de suas invenções, suas vendas e doenças. Trocamos endereços e dicas de remédios. Tudo lento, mas sem tédio!

E já era hora de almoçar. Tutu, couve e torresmo! Forno a lenha. Panelas de barro a fumegar... E mais uma vez, a estrada Real à nossa frente, com direito a uma rádio local tocando músicas do tempo imperial. Trilha ideal.
E foi no meio da estrada repleta de história, liberdade e sangue... de pedras reais, terra seca e rachante que a coincidência se deu... Um bichinho pequenino e inconsequente cruzou a frente do nosso carro com a calma de quem não tem medo, nem pressa de chegar... 
Foi atravessando a estrada, seguindo sua caminhada. Tivemos que frear. 
Eta bichinho! Justo em Bichinho...
Tinha que
 entrar para a nossa história!




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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O SEGREDO DO NAGAO

    
O jovem repórter não deve ter entendido a resposta daquele alegre e curvado senhor japonês ao ser questionado sobre o por quê de suas árvores serem as mais belas. Havia tantas árvores semelhantes naquele lugar. E da mesma espécie!

Afinal, Sr. Nagao, qual o segredo? Todo dia! Respondeu o velhinho. O repórter insistiu. O senhor rega as árvores todos os dias. Mas deve ter algo especial. Por que as suas árvores são maiores e mais floridas? Todo dia! O segredo é todo dia! Sr. Nagao respondeu novamente. Mas não tem uma fórmula secreta? Uma vitamina especial? E o velho insistia com um sorriso paciente e milenar...  Todo dia. O segredo é todo dia!

O repórter desistiu, imaginando que o velho japonês não tivesse entendido a sua pergunta. Ou talvez, compreendesse melhor outra língua...

Confesso que eu também, com vinte e poucos anos e sem ainda ter plantado as inúmeras árvores que plantei, não teria compreendido o mestre Nagao. Nem o alcance da sua simples frase.

Mas depois de muitos invernos. Das formigas que apareceram do nada e destruíram as folhas mais fresquinhas. Depois do vento forte que chegou de repente e quebrou os galhos repletos de florzinhas. Dos fungos que puseram abaixo um limoeiro em apenas três dias. E até mesmo da criança arteira que retirou todas as frutas, ainda verdes e azedinhas...

Entendi que é preciso água, sol, adubo. E mais que isso. O olhar, atento. Todos os dias...
O segredo, é todo dia!                                                                                    O Sr. Nagao sabia.           

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                     OBRIGADA PELA VISITA!

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

GOSTO MUITO DE TE VER...

                                                 
Sempre tive medo de leões. O olhar de poucos amigos. O rugido assustador. A mordida fatal. Mas não deste leão. O leão da praia. Leão de cimento. Estátua tão amiga quanto antiga. Reinando no meio do jardim... 

Impávido e sereno, o leão da praia está lá há mais de setenta anos. Assistindo a chuva, a ressaca, os fortes ventos. A noite nublada, a madrugada estrelada e os primeiros raios da manhã...

Mas é no destino de estátua, pesada e dura, que sinto toda a ternura. Fico imaginando o brilho no olhar de cada uma das crianças. Milhares delas, ao longo de tantos anos, com sorrisos iluminados, erguidas pelos pais para o grande momento: montar o rei das selvas e com as mãozinhas pequeninas afagar a grande juba de cimento! 

A alegria perpetuada nas fotos dos filhos, que já se tornaram pais, e já levaram seus netos e bisnetos e tantos mais... O leão da praia mora na lembrança de todos nós, crianças, de todas as gerações. 

Mas foi numa dessas noites de luar, feitas para poeta se apaixonar, que vi, ali, em frente ao leão da praia, um louco solitário, insistente e comovente a cantarolar... -Gosto muito de te ver, leãozinho! De tocar sua juba...

Talvez ninguém tenha percebido o seu canto e todo o seu desatino. Mas o Leão, ciente da sua função, escutava calado, aquele louco desvairado que só queria encontrar alguém no caminho... 

E eu, que já desconfiava destas estátuas antigas, agora tenho certeza. Elas escutam os loucos. As crianças. E as cantigas! 

                            

       
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